O tempo das cidades - artigo Ildo Mário Szinvelski
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Ildo Mário Szinvelski, diretor-geral do Detran/RS
Quando olharmos do futuro para a arquitetura das nossas cidades, vamos nos perguntar onde estávamos com a cabeça ao construir lugares assim. A geografia que temos hoje é resultado da visão de cidades que tínhamos há 40 anos, quando achávamos que carro era sinônimo de liberdade e poder. Nosso maior desejo era sair por aí conduzindo brilhantes possantes em amplas avenidas de trânsito rápido. Mas, ao observar os efeitos colaterais dessa conurbação que construímos tendo em mente o que queríamos no passado, percebemos que entramos no sulco de uma grande enrascada. E não queremos mais ser copartícipes dessa saturada e poluída cidade.
O sociólogo urbano David Park certa vez disse que "a cidade é a mais consistente tentativa do homem de refazer o mundo onde vive de acordo com o desejo de seu coração". Precisamos, então, fazer um exercício de futurologia para equacionar o desejo de nossos corações com o tempo necessário para se construir cidades inclusivas e harmoniosas para todos. Num país com uma população crescendo e estimativa de 223,1 milhões de habitantes para 2030, uma coisa é certa: a solução não está no transporte individual motorizado (pelo menos não no solo!), pois o trânsito é coletivo, é plural.
Precisamos planejar nossas cidades para transportar pessoas e não veículos. Precisamos responder a como acomodar pessoas e criar locais dentro do macroespaço urbano que permitam a diminuição da dependência do uso do automóvel com a ocupação responsável dos espaços públicos utilizando outros modais.
Áreas planejadas para automóveis criam ambientes hostis para pedestres, ciclistas e pessoas que utilizam o transporte público. Porque a cidade é construída para os automóveis, o cidadão deseja ser possuidor de um bólido veicular hipermoderno para também poder usufruir dessa infraestrutura, que é, via de regra, mais “confortável” que as outras opções de deslocamento disponíveis.
Dentro do nosso exercício de futurologia, precisamos tematizar essa questão. Imagine áreas com velocidades baixas, que tornam o ambiente mais seguro e convidativo para a circulação de pessoas; imagine calçadas largas, arborizadas e agradáveis de caminhar; imagine ciclovias e ciclofaixas demarcando o espaço e oferecendo segurança para o condutor de bicicleta; imagine vias com pinturas revitalizadas e grandes faixas de pedestres; imagine praças verdes e iluminadas com bancos embaixo de sombras com mesas para se alimentar, conversar e conviver; imagine um espaço urbano que observe também as necessidades de pessoas com mobilidade reduzida.
Devolver espaço para as pessoas é uma decisão de gestão política. Os exemplos citados são intervenções relativamente simples, que podem ser realizadas em âmbito local, com recursos baixos se comparados aos custos dos congestionamentos, da lentidão dos deslocamentos diários e dos chamados “acidentes” de trânsito (sem nem mencionar os custos ambientais e de saúde decorrentes do prejuízo à nossa qualidade de vida).
Quando o espaço do pedestre, do ciclista, dos passageiros de ônibus for mais valorizado, o desejo por ocupar esse espaço público que se torna nobre também virá. Ao realizar essas intervenções em favor dos transportes não motorizados, do transporte coletivo e de outros modais sustentáveis, não estaríamos mudando vias, mas sim vidas.