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Livro propõe ruptura na discussãosobre violência no trânsito

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Livro propõe ruptura na discussãosobre violência no trânsito
Livro propõe ruptura na discussãosobre violência no trânsito
O sociólogo Eduardo Biavatti lança hoje em São Paulo, com Heloísa Martins, o livro Rota de Colisão. A obra sintetiza mais de uma década de experiência direta com o jovem. Biavati, que atuou como coordenador do Centro de Pesquisas em Prevenção e Educação da Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação entre 1993 e 2004, tem como foco principal sensibilizar o público para lesões incapacitantes ocasionadas por acidente: perda de movimentos, danos que podem atingir os sistemas urinário, digestivo, circulatório e respiratório. No ano passado, foi convidado pelo DETRAN/RS para participar da Semana Nacional do Trânsito, quando falou para algumas escolas de nível médio na Assembléia Legislativa. O trabalho que resultou na elaboração do livro envolveu mais de 320.000 entrevistados em várias capitais do País que assistiram às palestras que Biavatti realizava no Sarah e com os quais seu discurso foi sendo testado e construído. Com uma agenda lotada, ministrando cursos de norte a sul Brasil, sempre com um discurso afiado para o combate da violência no trânsito, Biavatti atendeu a assessoria de comunicação do DETRAN/RS na véspera do lançamento via Messenger.

Para início de conversa, sobre o que trata o livro, a quem ele é destinado?
O livro foi escrito pensando nos jovens de 12 a 17 anos - esse grande grupo de risco, para quem a violência do trânsito é hoje uma das maiores causas de morte. No Brasil, o jovem morre por tiro, agressões por arma de fogo ou por trânsito. Para esse jovem, no entanto, faltava um discurso inteligente que fosse além do conhecimento das regras que formasse uma consciência de autocuidado e de cidadania mais consistente e realista. Durante muito tempo, o esforço da educação de trânsito foi o de formar bons seguidores de regras - as regras do código. Mas a regra não forma o cidadão, ao contrário do que pensamos por tantos anos.

De que forma a sua experiência no Sarah teve influencia no seu trabalho?
Trabalhei no Sarah por 13 anos. Lá aprende-se que somos quase nada no jogo de forças do trânsito; mas também aprende-se que somos capazes de grandes superações. Cada vez que falo para os jovens e a cada linha do que escrevi no livro, repercute ainda esse compromisso ético e humanista que aprendi: que, um dia, nenhum jovem precise do Sarah. Todo meu trabalho é uma tentativa de dizer para o jovem: só há liberdade responsável. Nas palestras e no livro, a idéia-força é sempre a mesma: cada um faz de sua vida o que bem quer - essa é uma verdade que ninguém pode negar. Desafiar os limites do corpo - quando se corre, quando se dirige depois de beber, quando não se usa o cinto de segurança no banco traseiro - esse desafio não vale a pena.

Você acredita que os órgãos ligados ao trânsito, como os DETRANS, podem prevenir esse tipo de comportamento com campanhas educativas, apesar da resistência na mudança de paradigmas?
Os DETRANS precisam desenvolver um novo discurso para o jovem. Talvez até mesmo revolucionar o discurso e as ferramentas pedagógicas dirigidas para os pequenos. Não há uma linha cumulativa entre o guri de 8 anos e o adolescente de 16. Há uma ruptura muito profunda. Não é uma questão de ensinar a atravessar a faixa e depois, lá pelos 12 anos, dar um passo adiante e ensinar a guiar uma bicicleta. Esse discurso legalista, essa busca desesperada de inculcar no jovem, desde a mais tenra infância, as regras e sinalizações do trânsito, serve para bem pouca coisa. Ou você acha que o jovem de 15 anos vai deixar de questionar que ali não há uma faixa de travessia (que ele aprendeu a usar quando tinha 5 anos)? As campanhas ainda traduzem muito essa busca de uma adesão à regra, só porque é uma regra... mas isso não basta. Bastaria se tivéssemos jovens que entendessem que a regra é um acordo coletivo, uma convenção política de nossa sociedade mas esse sentido público foi esvaziado. Então, falar de regras? que regras? por que? por causa da multa?

E as campanhas publicitárias?
Não acho que devamos abandonar campanhas públicas, mas é muito pouco eficiente. Eu acredito que o assunto deve ser tratado com toda gravidade que ele têm na real e isso implica em revelar, por exemplo, o cotidiano de rupturas de vida da incapacitação física. Eu vejo nisso uma força maior do que explorar a morte, por exemplo. Qual é a essência da abordagem que desenvolvi no Sarah por tantos anos? Unir esse abalo emocional da perda da integridade e da potência corporal (que todo jovem julga infinita) a uma explicação racional dos porquês ocorrem essas perdas em acidentes de trânsito (a dinâmica física e irrefutável das colisões). O livro percorre esse caminho de reflexão que começa na cidade, não há vida social sem trânsito. Mas as cidades em que vivemos foram inviabilizando o trânsito.

É aí que entram as regras...
As regras procuram ordenar essa circulação no espaço da cidade. Mas as regras não bastam de uma certa maneira, as cidades vão forçando o encontro de todos nós no espaço embaralhado da rua. Só que há muita diferença entre eu, o pedestre e você. Dentro de um carro o acidente de trânsito é um encontro que não deveria ocorrer. Convidamos o leitor a pensar no que é o atropelamento e no risco de uma lesão cerebral.

Seria então uma campanha mais direta, mostrando as lesões, os acidentes propriamente ditos, o mais indicado para combater essa violência que hoje assistimos no trânsito?
Sim. Lembre-se dos comerciais estrangeiros. O que há de tão fascinante neles?
A demonstração realista do que é um atropelamento ou uma colisão. Outra coisa importante é mostrar a conseqüência: não apenas o jovem no caixão e a família arrasada, tampouco o jovem cabisbaixo em um cadeira de rodas. O jovem tem que entender qual é a perda, não andar é um tanto banal, mas quando alguém tem de tirar xixi de 3 em 3 horas? E ter de dar todas as refeições na sua boca (sem que você tenha como pedir mais batata ou mais arroz naquela colherada)? Esse tipo de detalhe do cotidiano violentamente modificado ninguém conhece.

DetranRS - em defesa da vida