Cuidado: recalcado ao volante
Publicação:
Jason Vogel e Rogério Louro - repórteres do jornal O Globo
Uma fila de carros aguarda pacientemente a liberação da pista, interditada por causa de uma obra, mas um motorista não se conforma: corta todo mundo pelo acostamento e, espertamente, avança alguns metros até não ter mais como seguir adiante.
Mais que estupidez, o comportamento anti-social ao volante pode indicar desvios patológicos. Psicólogos especializados em trânsito mostram que a falta de civilidade nas vias, muitas vezes, está ligada a recalques e insegurança.
O carro é uma válvula de escape dos problemas econômicos e pessoais. As pessoas mostram seu estado psicológico ao dirigir, diz Raquel Almqvieft, da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego. O inconsciente assume a direção.
Carências geram frustrações e, consequentemente, agressividade. Quem não consegue lidar bem com entraves profissionais ou mesmo sexuais acaba extravasando no trânsito. O que dizer daquele sujeito que, num retorno, tenta furar a fila e acaba parando o trânsito da via principal? Ele pode estar com o que o psicólogo Antônio Fajardo Amaral chama de doença da pressa. São pessoas que criam expectativas em excesso para si, muitas vezes fora da realidade, e não conseguem realizar o que desejam, ressalta Amaral. Isso acaba derrubando a auto-estima e levando o estresse às alturas.
Mesmo que não haja pressa real, o indivíduo desenvolve ansiedade e passa a dirigir de forma impaciente e agressiva. É um caminho para a autodestruição, que leva junto quem está no banco do carona ou apenas cruza a rua. Para Amaral, muitos dos acidentes no Brasil são provocados por comportamentos assim.
Para controlar a doença da pressa é preciso se reeducar. Fazer caminhadas, tentar um relaxamento, reorganizar a agenda, delegar poderes a outras pessoas e, principalmente, adequar suas expectativas ao que é realmente possível fazer. No mínimo, evita-se um enfarte , recomenda o psicólogo.
Nem tudo é ansiedade ou estresse. Para muitos grupos, o automóvel é símbolo de afirmação pessoal. Um exemplo é o DJ de rua: pára o carro na porta do bar, abre todas as portas e sobe o som torcendo, intimamente, para que alguém reclame. Jovens machos tendem a se impor fazendo barulho. Música alta e escapamento aberto servem para exibir-se para as fêmeas e desafiar os mais velhos, afirma a psicóloga Lucia DAcri. Segundo ela, pegas e cavalos-de-pau também são uma demonstração pública de força. Nesse caso, a velocidade serve para mostrar o arrojo e a coragem. É o indivíduo que se vale da potência do carro para valorizar a si próprio.
Não é só para os jovens que o automóvel serve como auto-afirmação. Quem tranca a rua pode estar dizendo ao mundo: aqui mando eu ou vocês agora dependem de mim.
Os problemas não se restringem ao excesso de agressividade: às vezes é a falta de atitude que atrapalha. Os introvertidos, por exemplo, vivem mergulhados em seus problemas, com alto grau de dispersão, eles se distraem com facilidade e cometem falhas no trânsito.
Um motorista em depressão fica mais desatento. Isso normalmente resulta em pequenas batidas no trânsito ou em pilastras da garagem. Há também o tipo inseguro, que está sempre em dúvida, conhece pouco seu automóvel, é lento e atrapalha o tráfego.